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DRAGÕES E CAMELOS : China e Médio Oriente no Belt and Road Initiative como Política de Ascenção de Potências Médias do Médio Oriente

  • Foto do escritor: Breno Baptista Flor
    Breno Baptista Flor
  • 14 de mar.
  • 9 min de leitura

Atualizado: 12 de out.

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Introdução


​A China e o Médio Oriente, nas suas relações, datam desde os períodos civilizacionais e foram responsáveis por uma grande parte do progresso científico e tecnológico da humanidade. Por este motivo, o comércio e as relações intercivilizacionais entre eles, estiveram fortes e muito próximas durante milênios. A antiga rota da seda, que iniciava no extremo oriente chinês passando pelas estepes e desertos chineses, desde a cidade de Hangzhou, estendeu-se até ao Médio Oriente, propriamente em Bagdad, no actual Iraque e Damasco na Síria, terminando na cidade do Cairo, no actual Egipto levando seda, pólvora e outros insumos de valor fabricados na China.


​A importância deste tema de artigo, divide-se em duas vertentes que deverei aprofundar ao longo do artigo. A primeira, surge a partir dos recentes eventos em que se testemunhou na restauração das relações diplomáticas dos países da região com a mediação da China e a segunda vertente, é de como a relação entre as duas entidades, pode ser uma alternativa estadunidense na região tanto para as soluções de litígios diplomáticos entre os países da região, promovendo a paz e uma estabilidade duradoura, tanto para o progresso econômico, e para a reestruturação econômica dos países afectados por conflitos armados e crises internas, através do Belt and Road Initiative.


Neste artigo, pretende-se falar sobre como a China tem encontrado formas mais viáveis a paz na região, e também como os seus interesses podem ser implementados em jogo de soma zero, diferente das hegemonia estadunidense e da colonização francesa e inglesa que por lá passaram, e como o Médio Oriente enxerga esta possível forma de cooperação e as relações nos mais variados domínios, político, diplomático, econômico e militar. 



Factores Comuns Entre as Duas Regiões 


​A China e o Médio Oriente possuem características comuns na sua história e na sua geografia, que remetem a relações muito sólidas e de interesse comum, isto é, sua cultura. O seu percurso histórico é idêntico, desde experiências socialistas baathistas vividas no Iraque e na Síria, até a sua transformação em Colônias e  semi-colônias, no caso dos estados de trégua do Golfo Pérsico. No caso da geografia, tem uma forte conexão com as questões culturais e econômicas, devido a existência de desertos e culturas pastorais nas duas regiões, e a outra característica sendo uma das mais importantes, a China possui uma das maiores populações muçulmanas do mundo, equivalente hoje, a 20 milhões de muçulmanos, onde maioritariamente habitam na região autônoma de Xinjiang.



Factores Políticos do Médio Oriente


​O Médio Oriente sempre foi conhecido pelo público em geral como um verdadeiro foco de tensão, além de outros fenômenos que devastaram a região como, fome, migrações forçadas, e que tiveram ainda mais impacto com a vinda da pandemia do vírus Covid-19, que impossibilitou o alcance das ajudas humanitárias. Destas tensões, tivemos pelo menos três níveis.


O primeiro nível, foi as tensões políticas internas, como a primavera árabe, no princípio da última década, começando na Tunísia no regime de Ben Ali, que mudou drasticamente a história do Médio Oriente, no Irão com protestos entre conservadores Xiitas e a população mais jovem sobre o uso do chador, e no Líbano recentemente, devido a crise econômica e política e a explosão no Porto de Beirute.


Além das tensões internas, testemunhamos ao longo da história da região, guerras civis sangrentas, que arrastam países a instabilidade e ao subdesenvolvimento até aos hoje, como o caso das guerras civis libanesa, iemenita, síria, iraquiana, também, os conflictos nos Curdistão iraquiano e Turco, sendo muitas delas perduram até aos dias de hoje, sem perspectiva de resolução. 


Segundo nível, foi as tensões geopolíticas regionais, que se originam de interferências externas estadunidenses, visando proteger os seus interesses na região e não só, no caso da contenção do sionismo por parte dos países árabes e pelo Irão, também o caso recente dos países do conselho de cooperação do Golfo, contra o Catar, acusando-o de apoio e financiamento a atividades terroristas. Além dessas tensões, a questão nuclear, entre o Irão e Israel e a sua corrida armamentista, mantém a preocupação dos Estados Unidos latente na região, apoiando não só Israel, mas criando um cerco isolador diplomático contra o Irão, enfraquecendo-o de todas as formas.


Um terceiro nível, são as intervenções externas criadas pelas potências europeias que dividiram a região em parcelas territoriais de acordo aos seus interesses, e mais tarde, os Estados Unidos na questão iraquiana e no Afeganistão, interviu militarmente, e a sua presença durou quase 15 anos. Sem esquecer, a política de criação de grupos insurgentes e a arquitectura de golpes de estado e propagandas políticas.



Breve História da Região


A região do Médio Oriente e do Norte de África, comporta consigo países árabes como: Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Egipto, Iraque, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Omã, Autoridade da Palestina, Síria, Tunísia e os não-árabes: Turquia, Irão e o Estado de Israel. A história recente do Médio Oriente, remonta ao período da queda do Império Otomano, pouco antes do eclodir da primeira guerra. Sendo assim, a independência da Turquia salvaguardada, nos demais estados, foi aberto um leque para o colonialismo, e daí,a constituição de uma nova nação, foi então que a Inglaterra e a França em um acordo de cavalheiros, chamado de Sykes-Picot, que dividia o então antigo império turco otomano em protetorados coloniais, reconhecendo a independência da Turquia, sob Mustafa Kemal Ataturk. 


A França fica com o controlo do Líbano e da Síria, e a Inglaterra, com o Egipto, o Mandato britânico da Palestina e o Iraque. Em relação aos países do Pérsico, foram alguns, transformados em estados de trégua, por parte da Inglaterra.Já no final da segunda guerra, o paradigma destes estados mudou com a queda dos impérios coloniais afro-asiáticos, sobretudo, a independência do Líbano, da Síria, do Egipto que de forma unilateral, se libertou da Inglaterra em 1922, Iraque e Palestina.


Em 1948, com a criação do Estado de Israel, que  colocou em prática,a então declaração de Balfour, promulgada pela Inglaterra, as relações entre os países da região tornaram-se tensas, com golpes de Estado, resultando na ascensão de repúblicas, substituindo as monarquias despóticas ocidentais, especialmente no Egipto, Síria e Iraque. Estes países, com uma forte ideologia nacionalista e anti-imperialista, uniram-se para conter a expansão de Israel, apioados principalmente pelo ocidente.


O Pan-Arabismo, como ideologia, serviu de alicerce para a criação da Liga Árabe, para fortalecer a união dos países árabes contra o sionismo, imperialismo na região, inspirado no nasserismo, e também o socialismo árabe ba'ath, o Pan-Arabismo, tão logo se disseminou pela maioria dos países árabes. As revoluções islâmicas de 1978 no Irão, que levou ao poder os Aiatolás, foi uma verdadeira testa de ferro para hegemonia estadunidense na região, pela sua expansão regional, em países como o Líbano, tendo os EUA, se retirado imediatamente do país, e colocando-o como seu alvo combatente na região. Para finalizar, as intervenções militares dos EUA, na guerra do golfo,  os conflictos entre o Irão e o Iraque, tendo o Saddam Hussein no poder, e no princípio do actual século, a guerra contra o terror, culminando na invasão realizada ao Iraque, tudo isso levou a região à ruína.



As Relações entre a China e o Médio Oriente e o Belt and Road Initiative


As relações entre o Médio Oriente e a China passaram por um processo de estagnação, devido a imensos factores, primeiro a presença dos Estados Unidos na região, de formas a evitar um enfrentamento directo, o segundo, com excepção da Síria, do Egipto e do Iraque, a ideologia política distinta, criou uma certa barreira. No ano de 2013, quando a República Popular da China na 3ª sessão plenária do 18º Comité Central do Partido Comunista Chinês, o presidente Xi Jinping, lança a iniciativa, one belt, one road, que mais tarde, em 2016, se transformaria em Belt and Road Initiative. A partir daí, as relações entre as duas regiões tomou uma outra proporção, tendo a China classificado Médio Oriente como uma “região vizinha”, pela enorme e histórica parceria comercial desde os períodos civilizacionais. 



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A globalização com características chinesas, é uma concepção que tem surgido cada vez mais no vocabulário da ordem global, sendo uma alternativa à globalização capitalista e neo-liberal, que se demonstrou desafiada, por fenômenos globais, e que, cada vez mais, soluções alternativas têm sido projectadas para responder esses desafios. Esta globlização com características chinesas define que o mundo pode ser construído através de ascenção pacífica e prosperidade comum, onde todos possam ter vantagens mutuas, sem recorrer necessariamente a violência ou a uma política externa unilateral. Uma das maiores agências da globalização com características chinesas é o Belt and Road Initiative, promulgado pelo presidente Xi Jinping,no ano de 2013. 


belt and road initiative é uma iniciativa que pretende trazer uma  integração econômica, política e cultural, baseado numa “comunidade de um destino compartilhado e prosperidade comum”, discursado pelo presidente Hu JinTao, em 2012. Este conceito, serve de alicerce para a política externa chinesa e uma das formas em que a China consiga satisfazer as suas necessidades de produção, baseados no conceito de dupla circulação destacado pelo presidente Xi Jinping, em 2020. Desta forma o BRI, faz com que a China desenvolva relações bilaterais e multilaterais, com Estados e Organizações Internacionais para atingir determinados fins.


O novo cinturão da rota da seda, é fruto de políticas e discursos que já eram proferidos, desde Mao Zedong e Zhou En-Lai, como os princípios da coexistência pacífica e da. Mais tarde, o presidente Hu Jintao na ocasião do 60º aniversário das Nações Unidas, em setembro do ano de 2005, proferiu um discurso intitulado, “a paz sustentável e a prosperidade comum”. A exemplo, a recente normalização das duas grandes potências regionais, sendo uma delas nuclear, trata-se do caso do Irão e da Árabia Saudita, possuindo rivalidades político-religiosas, ou seja Xiitas e Sunitas, com uma enorme disputa por influência e balança de poder na região.


Estas duas últimas nações, restabeleceram as suas relações diplomáticas recentemente, graças às mediações chinesas e a busca da construção de um Médio Oriente mais integrado, o inverso, os Estados Unidos, “dividindo para governar”, não conseguiu alcançar tais feitos. Outro grande exemplo, é a retomada da Síria, que desde a eclosão da guerra civil em 2013, foi excluída da Liga Árabe e de todo sistema multilateral da região, criando uma política de cancelamento e de isolação contra Damasco.


Para a China, a região representa uma importante localização geoestratégica, por causa do Golfo Pérsico onde entre 20 a 30% do petróleo mundial passa por lá. Também, a segurança energética é de extrema importância para a China, representando uma enorme vantagem, uma vez que a China é o segundo maior consumidor de petróleo do mundo. Por outro lado, o Médio Oriente enxerga a China como uma potência econômica importante, que de forma gradual, vem substituindo os EUA, em algumas áreas. O Médio Oriente, vê a potencialidade da China na transformação da ordem global, como uma grande revisionista das regras de governança global e é activamente apelativa à multipolaridade,cabrindo espaço para outras potências emergentes participarem activamente na manutenção da ordem global.


A segurança energética da região é um dos grandes interesses da China, para com isso e com a efetivação maior BRI dos BRICS +, onde a Arábia Saudita tornou-se um membro pleno e com  o resto dos países árabes, é essencial a estabilidade política da região para um maior fluxo dos interesses mútuos e principalmente do petróleo. Países também muçulmanos, como o Paquistão, Bangladesh e Afeganistão, foram grandes beneficiados. Um caso particular do Irão, este corresponde a quase 20% de todo o orçamento do BRI, onde foi construído o grande metro de Teerão,e no Paquistão foi criado o corredor econômico entre a China e o Paquistão, que é uma linha que tem início no nordeste do país, até ao sudoeste, na cidade de Gwadar. 


A nova capital administrativa do Egipto que está em construção pela empresa chinesa CSCEC, vitalizando a economia do país, almejando o crescimento socioeconômico do país, orçado em 59 bilhões de dólares. Já na Arábia Saudita, a China investiu na construção de gasodutos na empresa estatal Aramco, fora o projecto da cidade-inteligente com tecnologia 5G, entre outras infraestruturas de transporte terrestre para as futuras cidades nascentes no país. no mês de junho do corrente ano, em Beijing, foi marcado pelo encontro entre o presidente chinês Xi Jinping e o então homólogo palestiniano Mahmoud Abbas, onde um dos temas centrais é a construção de uma paz duradoura e o fim do conflicto israelo-palestino. Multilateralmente a China  reconheceu a necessidade de elevar os fóruns de diálogo, como em 2016, foi divulgado um policy paper pelo conselho de estado da República Popular da China, onde constam as directrizes para uma relação duradoura, baseado no “apoio a firmeza para com o movimento árabe de libertação nacional, e o apoio firme a luta dos países árabes para defender a soberania e a integridade territorial”. Dos países do Médio Oriente, o Irão, Catar e a Arábia Saudita, tornaram-se membros da Organização para a Cooperação de Shangai



Conclusão 


As experiências históricas dos Estados Unidos na região tornaram-se esgotadas, desde a política externa de Donald Trump, baseada em medidas de cancelamento contra o Irão e alinhamento a favor da ascensão de Israel, muito favorável e aliado ideológico dos republicanos. Isto causou um deterioramento da pujante presença dos EUA na região. Após este período, foram ratificados os acordos de paz de Abraão, que não surtiram efeitos significativos à região, onde as principais lideranças regionais, não reconhecem a existência do Estado de Israel, aumentando a insatisfação significativa. Na administração seguinte de Joe Biden, um estado extra regional, mas também muçulmano viu as tropas estadunidenses a se retirarem,deixando uma vazão militar no país, depois de 20 anos, causando ums instabilidade política, viva até hoje. Cada vez mais, as potências regionais buscam alianças em prol da auto suficiência e autonomia, respeito pelas fronteiras culturais e religiosas.


Países como a China e outras potências emergentes, que já foram vítimas de políticas expansionistas imperialistas, vêm nesses países uma aliança estratégica na transformação da ordem global neoliberal, além de que fortalecendo as suas capacidades, aumentam a sua capacidade de participação no sistema econômico internacional com políticas alternativas à dependência periferia-centro, com ajustes estruturais da economia, desenvolvendo e progredir nações. Por isso a China e o Médio Oriente se unem para construir uma região mais estável, segura e economicamente integrada, com o política externa comum, para combater os males que afectam a região como terrorismo, insegurança alimentar, dependência.




Breno Baptista Flor

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